quarta-feira, novembro 29, 2006

segunda-feira, novembro 27, 2006

CESARINY 1923-2006



Sou um homem
um poeta
uma máquina de passar vidro colorido
um copo uma pedra
uma pedra configurada
um avião que sobe levando-te nos seus braços
que atravessam agora o último glaciar da terra
O meu nome está farto de ser escrito na lista dos tiranos: condenado
à morte!
os dias e as noites deste século têm gritado tanto no meu peito que
existe nele uma árvore miraculada
tenho um pé que já deu a volta ao mundo
e a família na rua
um é loiro
outro moreno
e nunca se encontrarão
conheço a tua voz como os meus dedos
(antes de conhecer-te já eu te ia beijar a tua casa)
tenho um sol sobre a pleura
e toda a água do mar à minha espera
quando amo imito o movimento das marés
e os assassínios mais vulgares do ano
sou, por fora de mim, a minha gabardina
eu o pico do Everest
posso ser visto à noite na companhia de gente altamente suspeita
e nunca de dia a teus pés florindo a tua boca
porque tu és o dia porque tu és
terra onde eu há milhares de anos vivo a parábola
do rei morto, do vento e da primavera
Quanto ao de toda a gente - tenho visto qualquer coisa
Viagens a Paris - já se arranjaram algumas.
Enlaces e divórcios de ocasião - não foram poucos.
Conversas com meteoros internacionais - também, já por cá
passaram.
E sou, no sentido mais enérgico da palavra
na carruagem de propulsão por hálito
os amigos que tive as mulheres que assombrei as ruas por onde
passei uma só vez
tudo isso vive em mim para uma história
de sentido ainda oculto
magnífica irreal
como uma povoação abandonada aos lobos
lapidar e seca
como uma linha férrea ultrajada pelo tempo
é por isso que eu trago um certo peso extinto
nas costas
a servir de combustível
é por isso que eu acho que as paisagens ainda hão-de vir a ser
escrupulosamente electrocutadas vivas
para não termos de atirá-los semi-mortas à linha
E para dizer-te tudo
dir-te-ei que aos meus vinte e cinco anos de existência solar estou
em franca ascensão para ti O Magnífico
na cama no espaço duma pedra em Lisboa-Os-Sustos
e que o homem-expedição de que não há notícias nos jornais nem
lágrimas à porta das famílias
sou eu meu bem sou eu partido de manhã encontrado perdido entre
lagos de incêndio e o teu retrato grande!

autografia, Mário Cesariny, Pena Capital II, pena capital, 2ª edição, Assírio & Alvim



sexta-feira, novembro 17, 2006

Diálogos de Vanguarda


Esta patente até Janeiro no edifício sede da Gulbenkian a exposição Diálogos de Vanguarda, que abrange todo o período de actividade artística de Amadeu, e de alguns dos seus amigos.




"A técnica de que fala é coisa em que nem penso. Fixar aí a ideia é parar muito aquem do fim. Qualquer aprende. Ninguém deixa de fazer uma obra de arte intensa por falta de técnica, mas por falta de outra coisa que se chama temperamento."
Carta de Amadeu Souza-Cardoso ao seu tio Francisco




Pintura c.1914, óleo sobre tela

segunda-feira, novembro 13, 2006

Percurso metafísico



"
(...)

Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.

(...)

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.

(..) "
Tabacaria - Álvaro de Campos, 15-1-1928

segunda-feira, novembro 06, 2006

Cadáver esquisito



Foi inaugurada na quinta-feira a exposição "Cesariny/Cruzeiro Seixas/ Fernando José Francisco e o passeio do cadáver esquisito" na galeria PERVE.

Esta exposição marca o reencontro, após 55 anos de afastamento, dos três artistas surrealistas, expondo as obras realizadas entre 1941 e 2006.
Para além de reunir trabalhos antigos, a ideia principal foi a de conseguir uma colaboração entre eles, surgindo deste modo o cadavre-exquis (cadáver-esquisito) - técnica "simbólica" do surrealismo francês, que consiste na participação de diversas pessoas para completarem um texto ou um desenho, conhecendo apenas algumas linhas deixadas à vista por uma folha dobrada chagando assim a uma obra colectiva.

As folhas foram passando de casa em casa, sem que os artistas se cruzassem, transformando-o não numa obra una, em que por vezes os artistas se tentam diluir para que as suas linguagens possam convergir, mas persistindo a individualidade do traço e imaginário de cada um.

Para ver até 20 de Dezembro de 2006

Galeria Perve
Rua das Escolas Gerais nº17, 19 e 231100 - 218 Lisboa - Alfama Portugal

CONVERSA LUSÓFONA

Aqui fica a sugestão para mais um debate no Largo da Graça
“Que quis dizer Fernando Pessoa quando escreveu, “a minha pátria é a língua portuguesa”?”